Autores:
Thales Soares
Emilson Souza
O Acidente
Vascular Encefálico (AVE) é definido como uma manifestação clínica e/ou
anatomopatológica decorrente de comprometimento da circulação cerebral. O AVE é
uma doença frequente em nosso meio e com alto impacto na qualidade de vida do
paciente. É importante causa de incapacidades físicas e de morte, figurando
entre as principais causas de óbito no Brasil.
O prognóstico pós
AVE é reservado, pois no período de 1 ano após o evento aproximadamente 31% dos
doentes evoluem para óbito, 28% para déficit neurológico grave, 11% para
invalidez moderada, 11% para invalidez transitória e apenas 17% evoluem sem
sequelas. O AVE pode ser classificado em isquêmico ou hemorrágico.
Os principais
fatores de risco para o desenvolvimento de AVE são: hipertensão arterial,
cardiopatias, diabetes, tabagismo, dislipidemias, alcoolismo, discrasias
sanguíneas, obesidade, sedentarismo, uso de drogas ilícitas etc.
AVE Isquêmico
Um cérebro normal
recebe uma circulação de 100 a 50ml/100g/minuto. Contudo, taxas de 22 a
10ml/100g/minuto caracterizam áreas de penumbra e taxas inferiores a 10ml/100g/minuto
levam a infarto e morte celular. No AVE isquêmico teremos as áreas de penumbra,
as quais são caracterizadas por regiões com hipofluxo sanguíneo e com funções
cerebrais deficitárias, e regiões infartadas, as quais são caracterizadas pela
presença de morte celular. Vale destacar que nas zonas de penumbra haverá um
pequeno fluxo sanguíneo que é suficiente para manter as células dessas regiões
vivas e passíveis de recuperação. O grande desafio no tratamento desses doentes
é reverter essas zonas de penumbra, pois assim seria possível reduzir a perda
de neurônios e, consequentemente, diminuição das sequelas.
Uma série de
fatores ligados as manifestações isquêmicas acarretam à destruição do
parênquima cerebral. Alterações na voltagem celular devido à falta de ATP
acarretarão maior influxo de cálcio para o interior dos neurônios. O cálcio em
excesso ativa enzimas, que numa cascata de reações começam a quebrar as
estruturas fosfolipídicas das membranas neuronais, expondo as organelas e
provocando a morte desses neurônios.
A isquemia ainda
desencadeia uma resposta inflamatória, que se inicia na microcirculação e
contribui para a destruição tecidual. Citocinas são liberadas e essas
desencadeiam o estímulo à síntese de moléculas de adesão, desencadeando atração
de leucócitos, favorecendo assim, a trombogênese. Esses leucócitos juntamente
com as outras células de adesão, distribuem-se ao redor das vênulas, aderem-se
às células endoteliais e migram para o parênquima, exercendo papel de aumentar
o estado trombótico do infarto. Durante a isquemia podem ser liberadas
moléculas de endotelina, que tem ação vasoconstritora, dificultando a passagem
do sangue e comprometendo a irrigação tecidual. Vale ressaltar que durante a
isquemia encefálica, o edema dos astrócitos é a primeira alteração morfológica
observada.
O edema cerebral
é o principal fator de piora e morte dos doentes que sofreram AVE, sendo sua
detecção e abordagem fundamentais na investigação e condução dos casos. Ele
inicia-se imediatamente após se instalar o processo isquêmico. O edema que
ocorre no AVE tem características fisiopatológicas próprias e deve ser
diferenciado dos edemas cerebrais vistos em outras situações. Dentre essas
características próprias, o edema cerebral do AVE é bifásico, diferente dos
demais. A primeira fase é intracelular, a qual é marcada por distúrbios
eletrolíticos. Já a segunda fase é intersticial, marcada por alterações das
macromoléculas. O edema cerebral do AVE pode ainda ser agravado por febre,
hipertensão arterial e hiperglicemia.
Os fenômenos
obstrutivos são as causas clássicas para os AVE isquêmicos, e exemplos desses
fenômenos são: trombose, embolia, dissecção da parede arterial, arterite,
compressão e má formação. As tromboses são as principais causas dos AVE
isquêmicos, sendo a aterosclerose um dos principais mecanismos trombogênicos.
As embolias também são frequentes, tendo como principais origens o coração e as
artérias aorta ou carótidas.
AVE Hemorrágico
O AVE hemorrágico
pode ser dividido de acordo com os locais da hemorragia, podendo ser intraparenquimatosos
ou subaracnóideos. A hemorragia subaracnóidea (meníngea) é um quadro grave, agudo,
em geral iniciado com cefaleia de grande intensidade, que pode ser acompanhado
de rigidez de nuca, náuseas, vômitos e, eventualmente, de sinais
localizatórios. É um quadro bastante delicado, de grande risco, com forte
tendência a recidiva e alto grau de morte e sequelas. Sua caracterização,
investigação etiológica e tratamento são imprescindíveis, pois caso haja a
hemorragia subaracnóidea e a mesma não seja diagnosticada, provavelmente haverá
recidiva com graves consequências ou mesmo a morte do indivíduo. A principal
causa desse sangramento que se difunde pelo espaço subaracnóideo é a ruptura de
aneurismas saculares intracranianos.
A hemorragia
intraparenquimatosa tem como causa mais comum a hipertensão arterial. Pois,
elevados níveis pressóricos acarretam alterações nas paredes de artérias e
arteríolas que consequentemente levam a formação de microaneurismas de
Charcot-Bouchard, os quais, por ruptura, determinam o aparecimento de
hemorragias. Esse tipo de hemorragia pode acontecer em qualquer região do SNC,
contudo ocorre especialmente nos núcleos da base, como o putâmen (50%) e tálamo
(20%). Pode ocorrer também na ponte (10%) e no bulbo (10%). Os sinais e
sintomas neurológicos da hemorragia intraparenquimatosa dependem da sua
localização.
Manifestações Clínicas
Os sintomas do
AVE podem se desenvolver de forma aguda, na qual o doente manifesta os sintomas
de modo abrupto e se mantém com o quadro inicial, sem grandes alterações, que
pode ser intenso ou moderado, dependendo da área afetada. Poderá haver também o
desenvolvimento de sintomas de maneira progressiva (evolutiva), caracterizada
pela perda progressiva de alguma função, como, por exemplo, a instalação
crescente de uma hemiparesia. Essa evolução de sintomas é a mais comum do AVE e
também a mais importante, pois é a que melhor responde ao tratamento, uma vez
que as lesões em progressão são potencialmente reversíveis. Há ainda a
manifestação de sintomas de maneira transitória (intermitente), que
caracteriza-se por quadros que se instalam de maneira aguda, porém permanecem
num período inferior a 3 horas e desaparecem espontaneamente.
Maior depressão
do nível de consciência, pressão arterial inicial mais alta ou piora dos
sintomas após o início favorecem a hemorragia, enquanto que déficit máximo no
início ou que remite sugere isquemia.
A sintomatologia
pode ser dividida de acordo com o território arterial acometido. No território
carotídeo (responsável pela irrigação dos dois terços anteriores do encéfalo)
tem-se como sintomas: hemiparesia, disfasia, hemi-hipoestesia, disgrafia,
dislexia, distúrbios de comportamento ou de consciência ou conduta e cefaleia.
No território vertebrobasilar (responsável pela irrigação do terço posterior do
encéfalo, incluindo bulbo, cerebelo e tronco cerebral) tem-se como sintomas:
ataxia, vertigem, disfagia, cefaleia e distúrbios visuais, respiratórios e de
consciência.
Para a
confirmação diagnóstica, devem ser ponderados: história clínica, início do
quadro, antecedentes e exame clínico, sendo feita a confirmação definitiva por
exames complementares. Os principais exames para confirmação do diagnóstico na
fase aguda são tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM)
craniana.
A TC é um exame
de relativa acessibilidade e baixo risco, que dá boas informações. Ela é capaz
de mostrar sinais de hemorragia e áreas de hipodensidade na isquemia. A RM tem
ótima resolução para isquemias na fase aguda, permitindo o diagnóstico precoce.
Contudo, é um procedimento de custo elevado e não disponível em todos os
prontos-socorros e que necessita de maior tempo para a realização que a TC.
Tratamento
Após
a definição do diagnóstico clínico de AVE, deve-se seguir um processo ordenado
de avaliação e tratamento. O primeiro objetivo é prevenir ou reverter a lesão
cerebral. Dá-se atenção à via respiratória, à respiração e circulação do
paciente, e trata-se a hipoglicemia ou hiperglicemia, se tiver sido
identificada.
O sucesso do
tratamento é tempo-dependente e deve ser instituído o mais rápido possível.
Existem tratamentos específicos, como os trombolíticos, os anticoagulantes e os
antiagregantes plaquetários. Há também medidas de tratamento mais amplas, como
o controle da pressão arterial, para evitar mais danos no SNC. Casos mais
graves exigem intervenções cirúrgicas.
Referências Bibliográficas
Porto, Celmo Celeno. Semiologia Médica. 6ª edição, Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
Filho, Geraldo Brasileiro. Bogliolo Patologia. 7ª edição,
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
Harrison. Medicina Interna. 17ª edição, Rio de Janeiro,
McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2008.
Thales Soares (thalessoares2@gmail.com)
Emilson Souza (emilson_0@hotmail.com)
Revisão: Luís Carlos Crepaldi Júnior
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