terça-feira, 20 de maio de 2014

Revisão: Acidente Vascular Encefálico

Autores:
Thales Soares
Emilson Souza


O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é definido como uma manifestação clínica e/ou anatomopatológica decorrente de comprometimento da circulação cerebral. O AVE é uma doença frequente em nosso meio e com alto impacto na qualidade de vida do paciente. É importante causa de incapacidades físicas e de morte, figurando entre as principais causas de óbito no Brasil.
O prognóstico pós AVE é reservado, pois no período de 1 ano após o evento aproximadamente 31% dos doentes evoluem para óbito, 28% para déficit neurológico grave, 11% para invalidez moderada, 11% para invalidez transitória e apenas 17% evoluem sem sequelas. O AVE pode ser classificado em isquêmico ou hemorrágico.
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de AVE são: hipertensão arterial, cardiopatias, diabetes, tabagismo, dislipidemias, alcoolismo, discrasias sanguíneas, obesidade, sedentarismo, uso de drogas ilícitas etc.
AVE Isquêmico
Um cérebro normal recebe uma circulação de 100 a 50ml/100g/minuto. Contudo, taxas de 22 a 10ml/100g/minuto caracterizam áreas de penumbra e taxas inferiores a 10ml/100g/minuto levam a infarto e morte celular. No AVE isquêmico teremos as áreas de penumbra, as quais são caracterizadas por regiões com hipofluxo sanguíneo e com funções cerebrais deficitárias, e regiões infartadas, as quais são caracterizadas pela presença de morte celular. Vale destacar que nas zonas de penumbra haverá um pequeno fluxo sanguíneo que é suficiente para manter as células dessas regiões vivas e passíveis de recuperação. O grande desafio no tratamento desses doentes é reverter essas zonas de penumbra, pois assim seria possível reduzir a perda de neurônios e, consequentemente, diminuição das sequelas.
Uma série de fatores ligados as manifestações isquêmicas acarretam à destruição do parênquima cerebral. Alterações na voltagem celular devido à falta de ATP acarretarão maior influxo de cálcio para o interior dos neurônios. O cálcio em excesso ativa enzimas, que numa cascata de reações começam a quebrar as estruturas fosfolipídicas das membranas neuronais, expondo as organelas e provocando a morte desses neurônios.
A isquemia ainda desencadeia uma resposta inflamatória, que se inicia na microcirculação e contribui para a destruição tecidual. Citocinas são liberadas e essas desencadeiam o estímulo à síntese de moléculas de adesão, desencadeando atração de leucócitos, favorecendo assim, a trombogênese. Esses leucócitos juntamente com as outras células de adesão, distribuem-se ao redor das vênulas, aderem-se às células endoteliais e migram para o parênquima, exercendo papel de aumentar o estado trombótico do infarto. Durante a isquemia podem ser liberadas moléculas de endotelina, que tem ação vasoconstritora, dificultando a passagem do sangue e comprometendo a irrigação tecidual. Vale ressaltar que durante a isquemia encefálica, o edema dos astrócitos é a primeira alteração morfológica observada.
O edema cerebral é o principal fator de piora e morte dos doentes que sofreram AVE, sendo sua detecção e abordagem fundamentais na investigação e condução dos casos. Ele inicia-se imediatamente após se instalar o processo isquêmico. O edema que ocorre no AVE tem características fisiopatológicas próprias e deve ser diferenciado dos edemas cerebrais vistos em outras situações. Dentre essas características próprias, o edema cerebral do AVE é bifásico, diferente dos demais. A primeira fase é intracelular, a qual é marcada por distúrbios eletrolíticos. Já a segunda fase é intersticial, marcada por alterações das macromoléculas. O edema cerebral do AVE pode ainda ser agravado por febre, hipertensão arterial e hiperglicemia.
Os fenômenos obstrutivos são as causas clássicas para os AVE isquêmicos, e exemplos desses fenômenos são: trombose, embolia, dissecção da parede arterial, arterite, compressão e má formação. As tromboses são as principais causas dos AVE isquêmicos, sendo a aterosclerose um dos principais mecanismos trombogênicos. As embolias também são frequentes, tendo como principais origens o coração e as artérias aorta ou carótidas.
AVE Hemorrágico
O AVE hemorrágico pode ser dividido de acordo com os locais da hemorragia, podendo ser intraparenquimatosos ou subaracnóideos. A hemorragia subaracnóidea (meníngea) é um quadro grave, agudo, em geral iniciado com cefaleia de grande intensidade, que pode ser acompanhado de rigidez de nuca, náuseas, vômitos e, eventualmente, de sinais localizatórios. É um quadro bastante delicado, de grande risco, com forte tendência a recidiva e alto grau de morte e sequelas. Sua caracterização, investigação etiológica e tratamento são imprescindíveis, pois caso haja a hemorragia subaracnóidea e a mesma não seja diagnosticada, provavelmente haverá recidiva com graves consequências ou mesmo a morte do indivíduo. A principal causa desse sangramento que se difunde pelo espaço subaracnóideo é a ruptura de aneurismas saculares intracranianos.
A hemorragia intraparenquimatosa tem como causa mais comum a hipertensão arterial. Pois, elevados níveis pressóricos acarretam alterações nas paredes de artérias e arteríolas que consequentemente levam a formação de microaneurismas de Charcot-Bouchard, os quais, por ruptura, determinam o aparecimento de hemorragias. Esse tipo de hemorragia pode acontecer em qualquer região do SNC, contudo ocorre especialmente nos núcleos da base, como o putâmen (50%) e tálamo (20%). Pode ocorrer também na ponte (10%) e no bulbo (10%). Os sinais e sintomas neurológicos da hemorragia intraparenquimatosa dependem da sua localização.
Manifestações Clínicas
Os sintomas do AVE podem se desenvolver de forma aguda, na qual o doente manifesta os sintomas de modo abrupto e se mantém com o quadro inicial, sem grandes alterações, que pode ser intenso ou moderado, dependendo da área afetada. Poderá haver também o desenvolvimento de sintomas de maneira progressiva (evolutiva), caracterizada pela perda progressiva de alguma função, como, por exemplo, a instalação crescente de uma hemiparesia. Essa evolução de sintomas é a mais comum do AVE e também a mais importante, pois é a que melhor responde ao tratamento, uma vez que as lesões em progressão são potencialmente reversíveis. Há ainda a manifestação de sintomas de maneira transitória (intermitente), que caracteriza-se por quadros que se instalam de maneira aguda, porém permanecem num período inferior a 3 horas e desaparecem espontaneamente.
Maior depressão do nível de consciência, pressão arterial inicial mais alta ou piora dos sintomas após o início favorecem a hemorragia, enquanto que déficit máximo no início ou que remite sugere isquemia.
A sintomatologia pode ser dividida de acordo com o território arterial acometido. No território carotídeo (responsável pela irrigação dos dois terços anteriores do encéfalo) tem-se como sintomas: hemiparesia, disfasia, hemi-hipoestesia, disgrafia, dislexia, distúrbios de comportamento ou de consciência ou conduta e cefaleia. No território vertebrobasilar (responsável pela irrigação do terço posterior do encéfalo, incluindo bulbo, cerebelo e tronco cerebral) tem-se como sintomas: ataxia, vertigem, disfagia, cefaleia e distúrbios visuais, respiratórios e de consciência.
Para a confirmação diagnóstica, devem ser ponderados: história clínica, início do quadro, antecedentes e exame clínico, sendo feita a confirmação definitiva por exames complementares. Os principais exames para confirmação do diagnóstico na fase aguda são tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) craniana.
A TC é um exame de relativa acessibilidade e baixo risco, que dá boas informações. Ela é capaz de mostrar sinais de hemorragia e áreas de hipodensidade na isquemia. A RM tem ótima resolução para isquemias na fase aguda, permitindo o diagnóstico precoce. Contudo, é um procedimento de custo elevado e não disponível em todos os prontos-socorros e que necessita de maior tempo para a realização que a TC.
Tratamento
Após a definição do diagnóstico clínico de AVE, deve-se seguir um processo ordenado de avaliação e tratamento. O primeiro objetivo é prevenir ou reverter a lesão cerebral. Dá-se atenção à via respiratória, à respiração e circulação do paciente, e trata-se a hipoglicemia ou hiperglicemia, se tiver sido identificada.
O sucesso do tratamento é tempo-dependente e deve ser instituído o mais rápido possível. Existem tratamentos específicos, como os trombolíticos, os anticoagulantes e os antiagregantes plaquetários. Há também medidas de tratamento mais amplas, como o controle da pressão arterial, para evitar mais danos no SNC. Casos mais graves exigem intervenções cirúrgicas.

Referências Bibliográficas
Porto, Celmo Celeno. Semiologia Médica. 6ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
Filho, Geraldo Brasileiro. Bogliolo Patologia. 7ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
Harrison. Medicina Interna. 17ª edição, Rio de Janeiro, McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2008.

Thales Soares (thalessoares2@gmail.com)
Emilson Souza (emilson_0@hotmail.com)

Revisão: Luís Carlos Crepaldi Júnior

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