sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Revisão: Pneumotórax Espontâneo - Abordagem na Emergência

Autor:
Rodolfo Evangelista Pinto de Oliveira

Introdução, Etiologia e Fisiopatologia
As pleuras visceral e parietal estão em contato íntimo, existindo apenas um espaço virtual entre elas, preenchido por líquido seroso, que serve para lubrificar suas superfícies. Quando esse espaço virtual torna-se real pelo acúmulo de ar, dá-se o nome de pneumotórax. Denomina-se pneumotórax espontâneo aquele não causado por traumatismo ou iatrogenia.
O pneumotórax espontâneo pode ser classificado quanto à sua etiologia em primário ou secundário. É primário quando não existe doença pulmonar desencadeante e secundário quando decorrente de doença pulmonar.
A presença do ar na cavidade pleural pode levar a alterações de ventilação e perfusão pulmonar. Na dependência do volume do pneumotórax, haverá redução da capacidade vital, capacidade residual funcional e capacidade pulmonar total, com colapso do pulmão ipsilateral. Quando há deficiência de ventilação em parênquima pulmonar perfundido, instalar-se-á hipoxemia aguda (shunting), porém isso não ocorre na maioria dos casos de pneumotórax espontâneo.
Pode haver a formação de um mecanismo de válvula unidirecional, com acúmulo progressivo de ar na cavidade pleural, ou seja, o ar escapa do parênquima e não consegue sair, causando um regime de pressão positiva que comprime o pulmão contralateral e posterior colapso das veias cavas com prejuízo ao retorno venoso, principalmente quando a pressão intrapleural atinge entre 15 a 20 mmHg. A esse fenômeno dá-se o nome de Pneumotórax Hipertensivo. É raro nos PTX espontâneos, sendo mais comum em decorrência de trauma e no paciente em ventilação mecânica (barotrauma).

Classificação
- Pneumotórax Primário
O PTX espontâneo primário ocorre na frequência de 20 casos para 100.000 habitantes. 75% desses são homens jovens saudáveis e longilíneos. Predisposição genética tem sido relatada na literatura. Também se encontra associação com o tabagismo. Além desses, encontra-se associado também ao prolapso de valva mitral e Sd. de Marfan. A causa mais comum é a ruptura de uma bolha subpleural (bleb). A etiologia dessas bolhas (que variam de poucos mm ate 3 cm) é incerta.
http://marceloresende.site.med.br/
- Pneumotórax Secundário
O PTX espontâneo secundário tem incidência menor que o primário (1/3 dos PTX primários): 8 casos em 100.000 habitantes/ano. É três vezes mais comum em homens, tal qual o PTX espontâneo primário. Pacientes com DPOC e exposição crônica ao fumo podem desenvolver bolhas enfisematosas de parede adelgaçada com risco de se romperem. Algumas pneumonias enfraquecem a barreira alvéolo-capilar com formação de bolhas e cistos. Também tem sido relatada a incidência de PTX espontâneo em 2% dos pacientes com AIDS.

Manifestações Clínicas
Geralmente o paciente adentra o pronto socorro referindo quadro súbito de desconforto torácico e respiração curta. Deve-se atentar nesse momento aos fatores de risco. As manifestações clínicas são dor torácica em pontada que se exacerba com a inspiração profunda, característica de dor pleurítica e dispneia, na dependência da existência ou não de doença pulmonar subjacente. No exame físico encontraremos MV diminuído ou ausente, timpanismo acentuado à percussão do tórax e expansibilidade torácica diminuída. A magnitude desses achados correlaciona-se com o volume do pneumotórax e com o grau dos sintomas. Se associado a esse quadro estiverem presentes desconforto respiratório acentuado, estase jugular, desvio da traqueia na fúrcula esternal para o hemitórax contralateral, choque e cianose, devemos pensar em PTX hipertensivo.

Exames Complementares
Na suspeita, fazer RX de tórax imediatamente. Se suspeita de PTX hipertensivo, não atrasar o tratamento descompressivo com qualquer exame (o diagnóstico do PTX hipertensivo é eminentemente clínico).
O achado de uma tênue linha de pleura visceral paralela ao gradil costal, separados por área de hipertransparência e sem trama vasobrônquica é característico de pneumotórax ao RX de tórax.

http://chestatlas.com/gallery/Pleural/

http://chestatlas.com/gallery/Pleural/

Diagnóstico Diferencial
Pode ser feito em pacientes com DPOC que radiologicamente mostrem bolhas gigantes enfisematosas. De modo geral, o RX de tórax mostra a bolha como uma linha não paralela a parede torácica e com aparência mais côncava. Persistindo a dúvida, pode-se solicitar uma TC de tórax.
Teoricamente, qualquer doença torácica aguda manifestada por dor pleurítica e sintomas respiratórios deve ter seu diagnóstico diferencial com PTX. A disponibilidade do RX de tórax facilita o diagnostico diferencial, e os achados de imagem orientam ao diagnóstico de cada uma das doenças (ex.: embolia pulmonar, pneumonia, tumor etc). O PTX pode levar a alterações do ECG, mas que devem ser analisadas frente aos achados de exame físico e radiológico.
Deve-se fazer também o diagnóstico diferencial com pneumomediastino, que pode ocorrer no rompimento alveolar, causado por crises de broncoespasmo, quando o ar disseca a trama vasobrônquica sem romper a pleura visceral. Outra causa de pneumomediastino é a ruptura espontânea do esôfago (Síndrome de Boerhaave). A ausculta do precórdio nesses casos pode detectar um ruído áspero e crepitante síncrono com o batimento cardíaco (sinal de Hamman).

Tratamento
O tratamento a ser instituído dependerá, primeiramente, se há suspeita de PTX hipertensivo ou não. Caso a clínica seja de PTX hipertensivo o tratamento deverá ser instituído imediatamente, com o espaço pleural aliviado por toracocentese pela inserção de agulha ou cateter venoso periférico de calibre 14-16 G no segundo espaço intercostal na linha hemiclavicular do lado comprometido. Na sequência, a drenagem pleural deverá ser realizada.
O tratamento do PTX espontâneo tem dois objetivos: reexpansão pulmonar com evacuação do ar do espaço pleural e prevenção de recidiva. Três métodos podem ser usados para obter a reexpansão: observação com tratamento conservador; dispositivo para drenagem pleural com cateter (10 – 14F) disponível comercialmente; drenagem pleural com dreno tubular.
O tratamento dependerá do tamanho do PTX e da estabilidade do paciente.
- PTX < 20% em pacientes clinicamente estáveis:
Devem ficar em observação no serviço de emergência por 6h, quando deve-se realizar novo RX de tórax. Excluem-se dessa conduta os pacientes com PTX secundário que exigem internação e drenagem pleural. A administração de O2 a 100% acelera em quatro vezes a absorção do ar do espaço pleural.
Em condições normais, um PTX de 20% leva, em média, até 20 dias para ser reabsorvido. A inserção de cateter ou dreno pleural não deve ser indicada logo de início, a não ser que o PTX aumente de volume. Por segurança, é essencial que o paciente que não tenha sido drenado tenha fácil acesso ao pronto socorro e retorne 24h após a alta para controle. Paciente nos quais não se possa garantir o acompanhamento, não são candidatos para esse tipo de abordagem. Recomenda-se ao paciente que nesse período não sejam feitas viagens aéreas e atividades de mergulho devido ao risco da descompressão do espaço pleural.
- PTX > 20% em pacientes estáveis:
Geralmente são pacientes jovens, sem comorbidades associadas. Nessa situação, pode-se utilizar um dispositivo de drenagem pleural por cateter pigtail 14F conectado a válvula de Heimlich ou dreno tubular 26-28F com selo d’água. Deve-se manter a drenagem até que as manifestações de fístula aérea tenham desaparecido e manter ainda por mais 48 -72h.
Os pacientes sem fístula aérea, com expansão total do pulmão e sem outras doenças com indicação de internação podem, se preferirem, receber alta hospitalar com cateter pleural contendo a válvula de Heimlich. Se persistir o borbulhamento no selo d’água e o pulmão não reexpandir rapidamente após a drenagem, o paciente deve ser internado com dreno tubular. Instala-se aspiração continua com pressão de -20cm de água no frasco de drenagem. Confirmada a expansão total do pulmão e a parada do borbulhamento no frasco de drenagem, pode-se retirar o dreno pleural após 72h.
- PTX > 20% em pacientes instáveis:
Pertencem a este grupo, geralmente, os pacientes com PTX espontâneo secundário. A drenagem sob selo d’água deve ser usada preferencialmente, com dreno tubular multiperfurado de calibre 26 a 28F, mantendo-se o paciente internado.
Se o controle radiológico após a drenagem mostrar ausência de reexpansão pulmonar, deve-se instalar aspiração contínua. Uma vez constatado o fechamento da fístula aérea tanto clinica quanto radiologicamente, repete-se o RX de tórax em 12-24h.

Evolução e Prognóstico
As recidivas de PTX espontâneo são comuns. Depois do primeiro episódio de PTX primário a chance de recidiva varia de 16% a 50%. Com o aumento do número de recidivas, diminui progressivamente a chance de resolução da fístula somente com a drenagem pleural.
A reexpansão pulmonar justapõe novamente as pleuras visceral e parietal, o que faz com que grande parte dos PTX com fístula aérea se resolva dentro dos primeiros cinco dias após a drenagem. Nas situações em que isso não acontece, deve-se pensar na resolução por intervenção cirúrgica.
Como orientação geral, no PTX espontâneo que se apresenta como primeira recidiva do mesmo lado indica-se a realização de TC de tórax para diagnóstico de possível bolha subpleural e orientação do tratamento cirúrgico para ressecção da bolha e pleurodese.

Referências Bibliográficas
1- SARAIVA MARTINS, H. et al. Pronto-Socorro: Condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Barueri: Editora Manole, 2007.
2- Sassoon CS. The etiology and treatment of spontaneus pneumothorax. Curr Opin Pulm Med 1995.

Contato:
Rodolfo Evangelista Pinto de Oliveira (rodolfo262@hotmail.com)

Revisão: Luís Carlos Crepaldi Júnior

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