Autor:
Rodolfo Evangelista Pinto de Oliveira
Introdução, Etiologia e
Fisiopatologia
As pleuras visceral e parietal estão em
contato íntimo, existindo apenas um espaço virtual entre elas, preenchido por
líquido seroso, que serve para lubrificar suas superfícies. Quando esse espaço
virtual torna-se real pelo acúmulo de ar, dá-se o nome de pneumotórax.
Denomina-se pneumotórax espontâneo aquele não causado por traumatismo ou
iatrogenia.
O pneumotórax espontâneo pode ser
classificado quanto à sua etiologia em primário ou secundário. É primário
quando não existe doença pulmonar desencadeante e secundário quando decorrente
de doença pulmonar.
A presença do ar na cavidade pleural pode
levar a alterações de ventilação e perfusão pulmonar. Na dependência do volume
do pneumotórax, haverá redução da capacidade vital, capacidade residual
funcional e capacidade pulmonar total, com colapso do pulmão ipsilateral.
Quando há deficiência de ventilação em parênquima pulmonar perfundido,
instalar-se-á hipoxemia aguda (shunting), porém isso não ocorre na maioria dos
casos de pneumotórax espontâneo.
Pode haver a formação de um mecanismo de
válvula unidirecional, com acúmulo progressivo de ar na cavidade pleural, ou
seja, o ar escapa do parênquima e não consegue sair, causando um regime de
pressão positiva que comprime o pulmão contralateral e posterior colapso das
veias cavas com prejuízo ao retorno venoso, principalmente quando a pressão
intrapleural atinge entre 15 a 20 mmHg. A esse fenômeno dá-se o nome de
Pneumotórax Hipertensivo. É raro nos PTX espontâneos, sendo mais comum em
decorrência de trauma e no paciente em ventilação mecânica (barotrauma).
Classificação
- Pneumotórax Primário
O PTX espontâneo primário ocorre na frequência
de 20 casos para 100.000 habitantes. 75% desses são homens jovens saudáveis e
longilíneos. Predisposição genética tem sido relatada na literatura. Também se
encontra associação com o tabagismo. Além desses, encontra-se associado também
ao prolapso de valva mitral e Sd. de Marfan. A causa mais comum é a ruptura de
uma bolha subpleural (bleb). A etiologia dessas bolhas (que variam de poucos mm
ate 3 cm) é incerta.
- Pneumotórax Secundário
O PTX espontâneo secundário tem
incidência menor que o primário (1/3 dos PTX primários): 8 casos em 100.000
habitantes/ano. É três vezes mais comum em homens, tal qual o PTX espontâneo
primário. Pacientes com DPOC e exposição crônica ao fumo podem desenvolver
bolhas enfisematosas de parede adelgaçada com risco de se romperem. Algumas
pneumonias enfraquecem a barreira alvéolo-capilar com formação de bolhas e
cistos. Também tem sido relatada a incidência de PTX espontâneo em 2% dos
pacientes com AIDS.
Manifestações Clínicas
Geralmente o paciente adentra o pronto
socorro referindo quadro súbito de desconforto torácico e respiração curta. Deve-se
atentar nesse momento aos fatores de risco. As manifestações clínicas são dor
torácica em pontada que se exacerba com a inspiração profunda, característica
de dor pleurítica e dispneia, na dependência da existência ou não de doença
pulmonar subjacente. No exame físico encontraremos MV diminuído ou ausente,
timpanismo acentuado à percussão do tórax e expansibilidade torácica diminuída.
A magnitude desses achados correlaciona-se com o volume do pneumotórax e com o
grau dos sintomas. Se associado a esse quadro estiverem presentes desconforto
respiratório acentuado, estase jugular, desvio da traqueia na fúrcula esternal
para o hemitórax contralateral, choque e cianose, devemos pensar em PTX
hipertensivo.
Exames Complementares
Na suspeita, fazer RX de tórax
imediatamente. Se suspeita de PTX hipertensivo, não atrasar o tratamento
descompressivo com qualquer exame (o diagnóstico do PTX hipertensivo é
eminentemente clínico).
O achado de uma tênue linha de pleura
visceral paralela ao gradil costal, separados por área de hipertransparência e
sem trama vasobrônquica é característico de pneumotórax ao RX de tórax.
Diagnóstico Diferencial
Pode ser feito em pacientes com DPOC que
radiologicamente mostrem bolhas gigantes enfisematosas. De modo geral, o RX de
tórax mostra a bolha como uma linha não paralela a parede torácica e com
aparência mais côncava. Persistindo a dúvida, pode-se solicitar uma TC de
tórax.
Teoricamente, qualquer doença torácica
aguda manifestada por dor pleurítica e sintomas respiratórios deve ter seu
diagnóstico diferencial com PTX. A disponibilidade do RX de tórax facilita o
diagnostico diferencial, e os achados de imagem orientam ao diagnóstico de cada
uma das doenças (ex.: embolia pulmonar, pneumonia, tumor etc). O PTX pode levar
a alterações do ECG, mas que devem ser analisadas frente aos achados de exame
físico e radiológico.
Deve-se fazer também o diagnóstico
diferencial com pneumomediastino, que pode ocorrer no rompimento alveolar,
causado por crises de broncoespasmo, quando o ar disseca a trama vasobrônquica
sem romper a pleura visceral. Outra causa de pneumomediastino é a ruptura
espontânea do esôfago (Síndrome de Boerhaave). A ausculta do precórdio nesses
casos pode detectar um ruído áspero e crepitante síncrono com o batimento
cardíaco (sinal de Hamman).
Tratamento
O tratamento a ser instituído dependerá,
primeiramente, se há suspeita de PTX hipertensivo ou não. Caso a clínica seja
de PTX hipertensivo o tratamento deverá ser instituído imediatamente, com o
espaço pleural aliviado por toracocentese pela inserção de agulha ou cateter
venoso periférico de calibre 14-16 G no segundo espaço intercostal na linha
hemiclavicular do lado comprometido. Na sequência, a drenagem pleural deverá
ser realizada.
O tratamento do PTX espontâneo tem dois
objetivos: reexpansão pulmonar com evacuação do ar do espaço pleural e
prevenção de recidiva. Três métodos podem ser usados para obter a reexpansão:
observação com tratamento conservador; dispositivo para drenagem pleural com
cateter (10 – 14F) disponível comercialmente; drenagem pleural com dreno
tubular.
O tratamento dependerá do tamanho do PTX
e da estabilidade do paciente.
- PTX < 20% em pacientes clinicamente
estáveis:
Devem ficar em observação no serviço de
emergência por 6h, quando deve-se realizar novo RX de tórax. Excluem-se dessa
conduta os pacientes com PTX secundário que exigem internação e drenagem
pleural. A administração de O2 a 100% acelera em quatro vezes a absorção do ar
do espaço pleural.
Em condições normais, um PTX de 20% leva,
em média, até 20 dias para ser reabsorvido. A inserção de cateter ou dreno
pleural não deve ser indicada logo de início, a não ser que o PTX aumente de
volume. Por segurança, é essencial que o paciente que não tenha sido drenado
tenha fácil acesso ao pronto socorro e retorne 24h após a alta para controle. Paciente
nos quais não se possa garantir o acompanhamento, não são candidatos para esse
tipo de abordagem. Recomenda-se ao paciente que nesse período não sejam feitas
viagens aéreas e atividades de mergulho devido ao risco da descompressão do
espaço pleural.
- PTX > 20% em pacientes estáveis:
Geralmente
são pacientes jovens, sem comorbidades associadas. Nessa situação, pode-se
utilizar um dispositivo de drenagem pleural por cateter pigtail 14F conectado a válvula de Heimlich ou dreno tubular 26-28F
com selo d’água. Deve-se manter a drenagem até que as manifestações de fístula
aérea tenham desaparecido e manter ainda por mais 48 -72h.
Os pacientes sem fístula aérea, com
expansão total do pulmão e sem outras doenças com indicação de internação
podem, se preferirem, receber alta hospitalar com cateter pleural contendo a
válvula de Heimlich. Se persistir o borbulhamento no selo d’água e o pulmão não
reexpandir rapidamente após a drenagem, o paciente deve ser internado com dreno
tubular. Instala-se aspiração continua com pressão de -20cm de água no frasco
de drenagem. Confirmada a expansão total do pulmão e a parada do borbulhamento
no frasco de drenagem, pode-se retirar o dreno pleural após 72h.
- PTX > 20% em pacientes instáveis:
Pertencem a este grupo, geralmente, os
pacientes com PTX espontâneo secundário. A drenagem sob selo d’água deve ser
usada preferencialmente, com dreno tubular multiperfurado de calibre 26 a 28F,
mantendo-se o paciente internado.
Se o controle radiológico após a drenagem
mostrar ausência de reexpansão pulmonar, deve-se instalar aspiração contínua.
Uma vez constatado o fechamento da fístula aérea tanto clinica quanto radiologicamente,
repete-se o RX de tórax em 12-24h.
Evolução e Prognóstico
As recidivas de PTX espontâneo são
comuns. Depois do primeiro episódio de PTX primário a chance de recidiva varia
de 16% a 50%. Com o aumento do número de recidivas, diminui progressivamente a
chance de resolução da fístula somente com a drenagem pleural.
A reexpansão pulmonar justapõe novamente
as pleuras visceral e parietal, o que faz com que grande parte dos PTX com
fístula aérea se resolva dentro dos primeiros cinco dias após a drenagem. Nas
situações em que isso não acontece, deve-se pensar na resolução por intervenção
cirúrgica.
Como orientação geral, no PTX espontâneo
que se apresenta como primeira recidiva do mesmo lado indica-se a realização de
TC de tórax para diagnóstico de possível bolha subpleural e orientação do
tratamento cirúrgico para ressecção da bolha e pleurodese.
Referências
Bibliográficas
1- SARAIVA
MARTINS, H. et al. Pronto-Socorro:
Condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Barueri: Editora Manole, 2007.
2- Sassoon
CS. The etiology and treatment of spontaneus pneumothorax. Curr Opin Pulm Med
1995.
Contato:
Rodolfo Evangelista Pinto de Oliveira
(rodolfo262@hotmail.com)
Revisão: Luís Carlos Crepaldi Júnior
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